Seminário arqueomusicologia ancestral no Equador













Fizemos parte de um grupo de 17 pessoas de 11 países (Equador, Argentina, Colômbia, Peru, Brasil, República Dominicana, México, Estados Unidos, Espanha e Itália) reunidas pelo arqueomusicólogo Estaban Valdívia e sua equipe para uma vivência sensorial, histórica e musical no lindo, verde e surpreendente Equador.
País de gente simples, acolhedoras, simpáticas e cativantes.
O Equador, “metade do Mundo”, propõe que a linha do Equador seja uma referência que une os dois hemisférios do Planeta, e não a que os divide, tal qual se unem duas peças côncavas de cerâmica, para formar um instrumento musical perfeito.
Foi na região de Cayembe, próximo a Quito, que uma missão francesa em 1736 conseguiu, por triangulações nos topos montanhosos, determinar a localização da linha do Equador. A altitude e a possibilidade de visualizar o horizonte, bem como os diversos picos montanhosos foram primordiais, diferentemente do que ocorre na Amazônia, no deserto africano ou nas ilhas do pacífico, por onde também passa a linha do Equador.
Os povos pré-colombianos já sabiam da energia que emana da região, pois encontraram vestígios arqueológicos de oferendas vindas de várias partes dos andes, consta e selva (oriente, como dizem os equatorianos).
É de onde se pode observar todas as constelações, tanto aquelas conhecidas pelos assírios, gregos e Maias no hemisfério norte, como pelos Incas ao Sul.
Nossa primeira estadia foi na Fazenda Guachalá, localizada na Província de Pichincha, aos pés do Vulcão Cayembe, que é o terceiro do país em altitude chegando a 5.790 m.
Guachalá foi a primeira fazenda espanhola do Equador, fundada em 1580, durante o período dos “encomenderos”, que em seu apogeu alcançou 21.000ha, onde também se encontra a primeira capela do país, erguida em meados de 1500, provavelmente, sobre um local sagrado indígena, sendo esta capela o edifício mais antigo da fazenda.
Escavações arqueológicas no interior da capela revelaram urnas funerárias com ossadas, indicando que a área já era sagrada aos indígenas. Numa das paredes encontra-se uma pintura em afresco, deteriorada, datada de 1757, com uma representação do Céu e do Inferno .
Na década de 1920 uma nova igreja foi construída. Nela encontram-se as urnas funerárias e ossadas, bem como fetos mumificados, encontrados sob o piso durante uma reforma mais recente.
A fazenda é uma típica “vila” espanhola com construções em U tendo as portas das habitações voltadas para um amplo pátio central. Um pouco separado das construções originais, fica a casa dos atuais proprietários, em meio a um “bosque” de cactos San Pedro ou wuachuma ou ainda Huachuma (Echinopsis pachanoi), utilizado na medicina andina.
Aliás, no centro do espaço, acima da fonte de água, está a Huaca Siqui, um símbolo sagrado da Cultura Kayambi que sobreviveu à destruição após o período de conquista recuperado em 1987.
Nesta fazenda se hospedaram membros da Missão Geodésica Francesa (1736) e também Charles Darwin, quando se dirigiu a Galápagos para “matar Deus”!
Foi nessa fazenda que se deu início à plantação de Eucaliptos importados da Austrália e também onde se desenhou o projeto do Parque Marinho de Galápagos, idealizados pelo filho de um dos presidentes do Equador, que na época era dono da Fazenda.
Desde a sua conversão em 1993, a Hacienda Guachalá permanece aberta como hospedaria e destino turístico histórico.
Nossos quartos ficavam na antiga estrebaria, localizada depois da igreja “nova” e foram adaptados com lareira e chuveiro de água bem quente. Ficamos no Quarto nº 3 e a placa na parede indicava que no quarto nº 5 ficavam presos os índios e empregados que entrassem em desavença com os feitores...
Ali tivemos deliciosos Cafés da Manhã, almoços e jantares, bem como uma linda festa noturna com direito a uma enorme fogueira e apresentação de músicos tradicionais da cultura local, quando pudemos dançar em roda, até perder as forças.
A bebida típica para espantar o frio é o “Canelasso”, um chá quente com gengibre, canela, limão e açúcar, que a gosto do freguês (eu, por exemplo) pode levar também um licor. Diria um “Quentão” equatoriano!
Tomei uma sopa de abacate com pipoca e nossos Hermanos ficaram, diria, incrédulos, para usar um termo light, ao saberem que eu e o Carlo comíamos abacate com açúcar. Algo pior do que por ketchup na pizza para os italianos.
Ficamos discutindo como se diz “pipoca” nas diferentes línguas, e para nossa surpresa, mesmo para os de língua espanhola, o tema varia de país a país.
Só não usufruímos da piscina, já que a água estava perto de congelar... Nem mesmo os europeus do grupo, acostumados à neve se atreveram!
Na primeira reunião geral, para que cada um se apresentasse e para que tivéssemos as primeiras audições de instrumentos pré-hispânicos, um grande morcego adentrou à sala, sobrevoou o grupo duas vezes, e como entrou, foi embora.
Nas culturas pré-hispânicas, o morcego é ser de bom agouro e traz o contato com a ancestralidade e espiritualidade. Então, começamos bem.
De lá partíamos para nossas expedições a museus, ao centro histórico de Quito, a observatórios da linha do equador, trilhas a monumentos pré-hispânicos, concertos musicais em caverna escavada na encosta de um vulcão extinto e oficina de cerâmica pré-hispânica.
Na última noite na fazenda, antes de voar a Guayaquil, o tempo nos brindou com um céu limpo e uma noite superestrelada. Um dos momentos que senti falta dos meus equipamentos de fotografia que pela primeira vez ficaram em casa, por economia de bagagem! Mas fica a memória visual.

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